Preta, preto, pretinhos https://pretapretopretinhos.blogfolha.uol.com.br Novidades da comunidade negra no Brasil e no mundo Thu, 09 Dec 2021 15:45:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Estudo aponta como o racismo prejudica o desenvolvimento de crianças negras https://pretapretopretinhos.blogfolha.uol.com.br/2021/11/06/estudo-aponta-como-o-racismo-prejudica-o-desenvolvimento-de-criancas-negras/ https://pretapretopretinhos.blogfolha.uol.com.br/2021/11/06/estudo-aponta-como-o-racismo-prejudica-o-desenvolvimento-de-criancas-negras/#respond Sat, 06 Nov 2021 17:30:40 +0000 https://pretapretopretinhos.blogfolha.uol.com.br/files/2021/11/estudo_racismo_interna-320x213.jpg https://pretapretopretinhos.blogfolha.uol.com.br/?p=1785 Uma criança se esconde em um canto do pátio da escola durante o recreio para não ser alvo de “brincadeiras” dos coleguinhas, por conta da cor da sua pele. Outra chega chorando em casa porque uma amiguinha de jardim lhe perguntou “por que ela sempre está despenteada”. Uma terceira começa a dormir mal depois que seu cabelo, na creche, foi comparado “ao de uma bruxa”.

Um dos episódios aconteceu há pouco tempo; outro, há uma década; outro, ainda nos anos 80. Uma dessas meninas era eu; outra, minha filha; outra, a protagonista de uma das histórias elencadas no estudo “Racismo, educação infantil e desenvolvimento na primeira infância”, que acaba de ser publicado pelo Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância.

Em linguagem clara e com evidente fim didático, o material tem por objetivo indicar – a partir da análise de investigações qualitativas em saúde e educação produzidas no Brasil e nos Estados Unidos – como o racismo estrutural prejudica o desenvolvimento de crianças negras entre zero e seis anos, e que ações e políticas públicas devem ser tomadas para combater essa problemática.

“Um exemplo desse processo pode ser comprovado em uma pesquisa de mestrado que constata que uma instituição de educação infantil frequentada por 90% de crianças negras só tinha bonecas brancas à disposição delas e ninguém considerou esta uma incongruência na organização dos espaços de educação voltados para elas”, afirma ao Preta, Preto, Pretinhos a coordenadora do estudo, Lucimar Rosa Dias, doutora em Educação pela Universidade de São Paulo e professora associada da Universidade Federal do Paraná.

“Há outros exemplos semelhantes ou de maior gravidade que esse, que colocam a criança negra na condição de invisível. Ou que lhes atribui um não-lugar, uma desvalorização de sua humanidade.”

Fragmento de “Racismo, educação infantil e desenvolvimento na primeira infância” (Reprodução)

De forma direta ou indireta, o racismo causa impactos negativos “em relação a oportunidades para adquirir habilidades e conhecimentos, autopercepção, autoconfiança, saúde física e mental, construção de identidade, relações parentais, socialização de saberes e acesso a direitos (condições de moradia, saneamento, alimentação, saúde etc.)”, descreve o estudo.

Alguns dos possíveis efeitos da desigualdade vivida pelas crianças já em seus primeiros anos de vida são, de acordo com o material, rejeição da própria imagem e impacto na autoestima, restrições para realizar sua capacidade intelectual, construção de uma identidade racial desvalorizada, problemas de socialização e inibição comportamental, propensão ao desenvolvimento de doenças crônicas na vida adulta, estresse tóxico, ansiedade, fobia, depressão, violência doméstica e dificuldade de confiar em si mesmas.

Ação individual e políticas públicas

A discriminação vivenciada durante a infância negra na escola – pelas interações com outras crianças e com profissionais – deve ser contemplada por políticas educacionais que não se eximam do recorte racial, indicam os investigadores. O material aponta também “negligência, desrespeito às normativas do Estado brasileiro, que prevê o direito ao pleno desenvolvimento de todas as crianças”, pondera Dias.

Ao mesmo tempo em que recordam a educação como “espaço de reprodução do racismo”, os pesquisadores também enfatizam esse como um lugar de mudança, já que em casa e na escola acontecem os primeiros “cursos de racismo”, como escrevem, em alusão às palavras do sociólogo David R. Williams, da Universidade de Harvard, autor de investigações sobre discriminação e saúde mental.

“As soluções passam por um compromisso ético de considerar a variável raça em qualquer política pública desenvolvida com foco na infância, seja ela relacionada à assistência, ao trabalho, à educação, ao lazer, dentre outras”, afirma Dias. “São fundamentais recursos financeiros que equipem as instituições com brinquedos, materiais pedagógicos e livros que possibilitem às professoras e professores desenvolver a educação para as relações étnico-raciais. Para que isso ocorra é imprescindível a formação inicial e continuada dos profissionais da educação.”

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Guia gratuito orienta adultos sobre como conversar com crianças e adolescentes a respeito de racismo e desigualdade https://pretapretopretinhos.blogfolha.uol.com.br/2020/12/16/guia-gratuito-orienta-adultos-sobre-como-conversar-com-criancas-e-adolescentes-sobre-racismo-e-desigualdade/ https://pretapretopretinhos.blogfolha.uol.com.br/2020/12/16/guia-gratuito-orienta-adultos-sobre-como-conversar-com-criancas-e-adolescentes-sobre-racismo-e-desigualdade/#respond Wed, 16 Dec 2020 20:35:53 +0000 https://pretapretopretinhos.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/guia_racismo_tapa-320x213.jpg https://pretapretopretinhos.blogfolha.uol.com.br/?p=1595 Em mais de um discurso e carta, Martin Luther King (1929-1968) expressou a dor de ser pai e ter que explicar aos seus filhos o que é o racismo. Uma passagem importante da sua própria infância foi ter compreendido aos seis anos que, por ser negro, o amiguinho de toda a sua então curta vida deixara de brincar com ele porque era branco e havia passado a frequentar uma escola – e um círculo social – diferente.

Falar de racismo com crianças é tão difícil quanto necessário. Na maioria das vezes, elas não se “descobrem” negras até não terem que se deparar com uma situação de discriminação. É o olhar do outro que costuma estabelecer nelas o início de um doloroso processo de doutrinação sobre noções de feio ou bonito, normal, melhor ou pior.

Pensando nisso – e na realidade brasileira – está sendo lançado em português o e-book “Guia para Mães e Pais Lutarem contra o Racismo, pela Igualdade e Justiça”. A tradução e a adaptação do material foi feita pela escritora Cida Chagas a partir do original das autoras Francesca Chong e Lily Pryer, desenvolvido para a plataforma online Yoopies no Reino Unido.

A escritora Cida Chagas, que traduziu e adaptou o guia para o Brasil (Divulgação)

Mas não se trata de conversar sobre discriminação só com meninas, meninos e jovens negros, senão de incluir o público não negro também, em prol de uma educação com valores e atitudes antirracistas entre todos, afirma Chagas. “A ideia do guia é ajudar mães e pais a conversarem com suas crianças e adolescentes sobre racismo. Também orientá-las sobre como apoiar a luta das pessoas negras por igualdade e justiça.”

Com linguagem leve, o volume oferece dicas, atividades e sugestões de filmes, sites, podcasts e livros para diversas faixas etárias, e que servem como recurso para fomentar e enriquecer conversas sobre o tema. Também tópicos que explicam de forma didática e dialética assuntos essenciais para entender o debate racial, como interseccionalidade, ações afirmativas ou marcos históricos e conquistas sociais fundamentais no mundo e no Brasil, como a Revolta da Chibata ou o Dia da Consciência Negra.

No caso do Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), por exemplo, o guia explica como nasceu o movimento, por que foi adotado esse nome, e por que defender que “vidas negras importam” não quer dizer que vidas brancas não sejam igualmente importantes: “Imagine que você quebre uma perna e precise ir ao médico. Você diria ao médico que a sua perna está doendo. Embora todos os seus ossos importem, naquele momento é a sua perna que precisa de atenção”, exemplificam as autoras.

Detalhe do volume (Reprodução)

E-book: Guia para Mães e Pais Lutarem contra o Racismo, pela Igualdade e Justiça
De: Francesca Chong e Lily Pryer
Tradução e adaptação para o Brasil: Cida Chagas
Disponível gratuitamente aqui 

 

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‘A luta ficou mais visível e complexa’, analisa José Adão de Oliveira, aos 40 anos do Movimento Negro Unificado https://pretapretopretinhos.blogfolha.uol.com.br/2020/12/07/a-luta-ficou-mais-visivel-e-complexa-analisa-jose-adao-de-oliveira-aos-40-anos-do-movimento-negro-unificado/ https://pretapretopretinhos.blogfolha.uol.com.br/2020/12/07/a-luta-ficou-mais-visivel-e-complexa-analisa-jose-adao-de-oliveira-aos-40-anos-do-movimento-negro-unificado/#respond Mon, 07 Dec 2020 20:29:45 +0000 https://pretapretopretinhos.blogfolha.uol.com.br/files/2020/12/foto_central-320x213.jpg https://pretapretopretinhos.blogfolha.uol.com.br/?p=1581 “Atingimos o objetivo de desnudar a mentira da democracia racial brasileira e criamos as condições para a participação social e a mudança da legislação desde a Constituição Federal de 1988.” Assim é como José Adão de Oliveira, um dos fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU) – nascido Movimento Unificado contra a Discriminação Racial -, resume, entre outras conquistas, o saldo de lutas da instituição que ajudou a colocar de pé há quatro décadas.

Essa trajetória é celebrada no livro “Movimento Negro Unificado: A Resistência nas Ruas”, organizado por ele, pelo jornalista e fotógrafo Ennio Brauns e pela pesquisadora Gevanilda Gomes dos Santos, historiadora e mestre em sociologia política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, além de integrante da diretoria da Soweto Organização Negra.

A partir do histórico 7 de julho de 1978 –quando mulheres e homens negros fizeram de palco as escadarias do Teatro Municipal de São Paulo para a sua primeira manifestação pública– e até os dias de hoje, o MNU trabalha para incidir nas políticas nacionais e acompanha a dinâmica social do país na articulação entre os ensinamentos do passado, o reconhecimento dos desafios do presente e a disposição para manter o otimismo (sem deixar de ser crítico, vigilante e propositivo) para o futuro.

Ou esse é o olhar de José Adão, que também, desde 2013 e em nome do MNU, integra o Fórum Municipal de Educação de São Paulo, do qual é cofundador. Ele conversou com Preta, Preto, Pretinhos sobre as memórias do movimento, agora compartilhadas em artigos, fotos e documentos, e o momento atual do debate racial no país.

PPP – O que mudou de 1978 para cá?
José Adão – A luta ficou mais visível e complexa. Quando a gente começou, a Lei de Segurança Nacional de 1971 proibia que se falasse de assuntos sobre negros e índios. Mas o ato foi público e saíram artigos na Folha e em outros jornais, inclusive internacionalmente. Colocamos faixas contra a violência policial, contra a discriminação racial, contra a tríplice exploração da mulher negra (gênero, raça e classe) e pela diversidade homossexual. Esses eram temas que não se abordavam naquele momento. Tivemos a ousadia de, perante o regime, colocar essas questões. E compareceram 2 mil pessoas ao ato.

PPP – Por que mais complexa?
JA – Porque, embora haja um apoio maior, há também um questionamento, uma certa afronta ou resistência de parte daqueles que estão, nos últimos dois, três anos, sendo estimulados a ser conservadores. Que defendem os valores da família tradicional, branca, patriarcal, a mando da propriedade privada, e que estão se colocando. Como a maioria da população é negra e não tem essas posses, ela é vista por essas pessoas como não pertencente ao usufruto dos bens. E a complexidade está em entender essa sociedade, isso traz dificuldades.

José Adão de Oliveira, um dos fundadores do Movimento Negro Unificado (Foto: Fábio Magalhães)

PPP – E quais as grandes conquistas?
JA – Naquele período (anos 70) só 15% das pessoas se assumiam como negras ou pretas. A mulher de pele mais clara era chamada de mulata, e esse era um fator distinto. Hoje cerca de 56% da população se autodeclara negra (na soma de pretos e pardos). O termo mulato foi superado, e a autoidentificação reside no caráter positivo. As pessoas sentem orgulho de ser o que são – no passado não se queria assumir isso. O processo de luta fez com que houvesse políticas públicas nas quais o fator de pertencimento à raça negra traz oportunidades. Não há como negar que isso só foi conseguido pela luta do movimento negro e tendo o MNU como um dos grandes protagonistas desse processo.

PPP – Que reflexões, aprendizados e debates você vê após o assassinato de João Alberto Freitas nas dependências do Carrefour em Porto Alegre?
JA – Mostra o comportamento das forças de segurança patrimonial empregadas pelo Carrefour, casos que aconteceram repetidas vezes na rede, e também em outros supermercados, onde há o quartinho de segurança, para onde as pessoas são levadas para apanhar. No caso do Carrefour, aconteceu em um espaço externo, mas é uma prática interna.

É interessante que agora tenham criado um grupo de consultoria, mas se quisessem já podiam ter mudado isso há muito tempo. É necessário investir em educação pública de qualidade desde a base com a aplicação da Lei 10.639 em toda a rede de educação municipal, estadual e federal das universidades, para que os estudantes, quando forem para as forças de segurança, cheguem com formação humanista e abrangente, e não com uma formação racista. A ação do Carrefour agora é muito boa, mas um paliativo dentro do tal racismo estrutural, que começa na sala de aula. E nos quartéis, nos treinamentos, esse racismo é diariamente estimulado. No treinamento das tropas, nas amostras, naqueles colocados como suspeitos. É o cotidiano. Os policiais, além de seres assassinos, pelo que fizeram, também são vítimas do próprio sistema que os forma para isso.

Capa do jornal “Versus”, na edição de julho/agosto de 1978 (Reprodução/Acervo Soweto)

PPP – Você está na luta antirrascista há mais de 40 anos. Ela avança? Para onde?
JA – Eu vejo o futuro com muito otimismo e confiança. A vivência e as culturas negra e indígena, no sentido da ancestralidade e da integração com a natureza, vão vencer. Porque são culturas que partem da vida e da manutenção da vida, no sentido coletivo. O que acontece agora com as empresas é que elas veem em suas análises que a mentalidade média vai mudando. As pessoas não querem ser aquele policial assassinando a pessoa negra, na questão da identidade elas não querem ser isso. Então as empresas estão buscando essa nova “cultura antirracista”.

Mas para isso elas têm que trabalhar no concreto, exemplificar. O Carrefour está fazendo isso agora por pressão, mas outras já vêm atuando assim há algum tempo. E isso faz com que haja mais contratação de pessoas negras, que haja ascensão interna, para ocupação de cargos de direção e gestão. Quem vai ganhar com essa luta antirracista primeiro são as pessoas brancas, que vão reduzir seu grau de criminalidade contra os povos, porque isso é lesa-humanidade, lesa-divindade, lesa-natureza, lesa-um monte de coisas. Em seguida, as vítimas, nós, negros, teremos condições de estimular ainda mais nosso potencial e desenvolver nossa arte e cultura, habilidades, vocações, e seremos felizes de poder compartilhar isso com o coletivo.

E agora com as candidaturas negras nas Câmaras municipais, nas Assembleias Legislativas do país inteiro, em Brasília, na Câmara Federal e no Senado, a tendência é de grande melhoria. Estou muito otimista com o futuro e vislumbrando a juventude dando seus passos e direcionando este país para um bem-estar muito maior.

Movimento Negro Unificado: A Resistência nas Ruas
Organização: José Adão de Oliveira, Gevanilda Gomes dos Santos e Ennio Brauns
Editoras: Fundação Perseu Abramo e Edições Sesc
Preço: R$ 80 (216 págs.)

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