Valeria Houston leva bandeira trans negra para a MPB
Liniker, artista que conjuga brincos, batom e uma escala de timbres vocais que passeiam confortavelmente do grave ao agudo, vem abrindo caminhos. O cenário da música popular brasileira continua a se ampliar mais um pouco com a voz, a atitude, o discurso e a luta de Valeria Houston, cantora trans negra que lança este mês seu primeiro EP, “Controversa”.
Gaúcha, Valeria leva a discussão sobre a sua sexualidade aos palcos, na luta por reconhecimento artístico e social. “Há mais facilidade hoje em dia, de informação, para falar da questão trans, e acho que a arte é uma boa maneira de abordar isso. Espero que artistas como o Liniker ou eu não sejamos andorinhas solitárias que fazem esse verão, espero que apareça mais gente. Nós estamos dando nossa cara a tapa, mas alguém tem de começar”, diz ao blog.
Em dezembro, a cantora se muda para o Rio, onde passará a se apresentar no Galeria Café.
Sua militância em prol dos direitos das mulheres trans negras lhe rendeu no Rio Grande do Sul o título de Mulher Cidadã, um prêmio que causou polêmica em Porto Alegre. “Gerou uma espécie de mal-estar entre setores conservadores”, conta.
Valeria comenta que o feminismo e mesmo a discussão de coletivos contra a discriminação racial não contemplam muitos dos aspectos vividos pelas mulheres trans negras. “Nós somos uma população muito mais vulnerável, que deixou para trás o fato de ser homem. E não só isso, deixou para trás também o fato de ser homem negro, com essa imagem de ser super viril etc. E outra coisa é que depois assumimos os estereótipos da mulher negra, a mulata hiperssexualizada.”
De acordo com dados do Fonatrans – Fórum Nacional de Pessoas Trans Negras e Negros, do qual a artista faz parte, 98% da população trans vive da prostituição, informa a cantora. “E vamos deixar claro que essa não é uma questão de escolha, é uma luta diária. Eu uso a arte para tentar fazer com que isso diminua um pouco.”
Houston foi agredida por um homem negro, “em um domingo de sol, às 4 da tarde”, em agosto do ano passado. Xingada e classificada como “uma vergonha para a raça”, ela foi esfaqueada nas costas. Fez a tatuagem de um microfone na cicatriz, como um lembrete pessoal e uma declaração pública de que vai continuar a luta contra a discriminação por meio do canto.