“Moonlight” encontra “Picumã” em São Paulo
Negro, jovem, LGBT e da periferia. Esse é o protagonista de “Picumã – Asas de Passarinho Preto”, que está sendo apresentado de forma gratuita já a partir de amanhã em distintas salas de teatro de São Paulo.
Qualquer semelhança com “Moonlight – Sob a Luz do Luar” (ganhador dos Oscars de melhor filme e ator coadjuvante deste ano) é –e não é— mera coincidência. É coincidência porque Igor Valentin, que se torna Picumã no palco, vem trabalhando há anos na construção de uma narrativa que representasse integralmente suas experiências de vida pautadas por etnia, idade, sexualidade e condição social. E não é coincidência porque Igor considera que sua história, como a de tantas outras pessoas nas mesmas condições, entrou no radar dos relatos que finalmente vêm ganhando atenção.
“Acredito que este seja um momento em que estamos nos apropriando das nossas próprias narrativas e também disputando espaços que sempre nos foram negados. ´Moonlight` é um exemplo disso, um elenco e direção todo formado por negros (muito raro no cinema e também em outras linguagens, inclusive o teatro), um filme disposto a discutir a construção da masculinidade. ´Picumã` nasce dessa necessidade, de me apropriar da minha história e de outras que são semelhantes à minha, sem porta-vozes”, conta o ator e produtor cultural ao blog.
“O espetáculo surge quando percebo que há poucos trabalhos que abordam a temática LGBT a partir do ponto de vista de pessoas negras e pobres. Eu tenho que esperar cruzar a ponte que divide meu bairro com o centro para poder exercer a minha afetividade em busca de um ´lugar seguro`, resquícios de um país com tradição escravocrata e extremamente lgbtfóbico.”
“Picumã” é um monólogo formado a partir de uma reunião de textos jornalísticos, depoimentos de familiares de vítimas fatais da homofobia, poesias e passagens da vida pessoal de Igor. Sobre o palco, ele é Catatau, um jovem que compartilha as descobertas e dores de passar pela adolescência e chegar à vida adulta sob o peso da desigualdade social e de vários preconceitos ao mesmo tempo.
Da história de “Picumã” (“cabelo”, na gíria gay, e também um pássaro de plumagem negra) fazem parte o bullying escolar, a incompreensão dos pais e outras desventuras de “uma alma bicha preta nos contrastes da cidade”, como afirma Igor.
“Neste momento, muitos jovens negros e LGBTs –principalmente os do grupo T (Trans)– estão morrendo. Estar nos espaços de privilégio, como o Oscar, ou na universidade, ou no trabalho, precisa ser construtivo não só para nós mesmos, como indivíduos, mas para toda a comunidade. Temos que sair para a rua, colocar a cara no sol e nos fortalecermos.”
O espetáculo já passou pelo Espaço Clariô, em Taboão da Serra (SP), e seguirá este mês em apresentação na Cia. de Teatro Heliópolis e no teatro da Cia. Paideia. Em maio, estará em cartaz no Centro Cultural Monte Azul.
Picumã – Asas de Passarinho Preto
1 e 2 de abril – Cia. de Teatro Heliópolis (r. Silva Bueno, 1533, Ipiranga, São Paulo), 20h
8 de abril – Cia. Paideia (r. Darwin, 153, Jardim Santo Amaro – ao lado do shopping Boa Vista), 14h
5 e 6 de maio – Centro Cultural Monte Azul (av. Tomás de Sousa, 552, Jardim Monte Azul – próximo do metrô Giovanni Gronchi e do Terminal João Dias), 20h