Especialistas debatem sobre turbante, apropriação, “tombamento” e resistências

Desde movimentos como o já longevo “Black is beautiful” (nascido nos EUA há mais de cinco décadas) até o avanço da “Geração Tombamento” nos dias atuais, a moda vem refletindo processos de reconhecimento de tradições e padrões estéticos negros como forma de resistência ou apropriação.

Esse é o eixo central de “A moda como estratégia de visibilidade étnico-racial”, que reúne especialistas no tema até esta sexta-feira (22) no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc, em São Paulo.

Preta, Preto, Pretinhos conversou com duas das palestrantes: Dulci Lima (doutoranda em ciências humanas e sociais na Universidade Federal do ABC), que no evento já tratou da simbologia do turbante e da polêmica sobre apropriação do adereço; e Ana Paula Medeiros (mestra em tecnologia pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná), que explicou a relação entre afrofuturismo e a percepção de “tombamento” que tomou conta não só da gíria popular, mas de um processo de autoestima e reinvenção de populações marginadas.

“O turbante, sem dúvida, não é um artefato exclusivamente utilizado por culturas negro-africanas ou afro-diaspóricas. Outros grupos étnicos em diferentes países fazem uso desse tipo de ornamento. Mas no Brasil o turbante está atrelado à presença de africanos escravizados que tinham a peça como parte de seu vestuário cotidiano, as vestes tradicionais da baiana do acarajé são uma reminiscência das ganhadeiras e vendeiras que circulavam pelas ruas de Salvador até o fim do século XIX e das trocas culturais ocorridas entre africanos muçulmanos e adeptos do culto aos orixás. Essas mesmas ganhadeiras estão na origem do candomblé na Bahia e influenciam seu vestuário litúrgico, que tem entre suas peças obrigatórias o turbante, fundamental para proteger o orí (a cabeça) do iniciado”, afirma Dulci.

Ana Paula Medeiros, uma das participantes do encontro (Foto: Caroline Gabioli).

O resgate dessa tradição se encontra com um processo de revalorização estética conhecida como “transição” entre as mulheres negras: deixar tratamentos de alisamento para utilizar o cabelo em seu crespo natural. Nesse sentido, comenta a especialista, “o turbante também não é um mero adereço, mas uma extensão do próprio cabelo crespo, um elemento identitário repleto de significados que evoca certas tradições da cultura afro-brasileira e sua historicidade”.

Conquistar espaços a partir da construção de uma identidade sustentada na própria realidade também é a base da Geração Tombamento, “relacionada a um contexto das festas Batekoo, que começaram em Salvador e logo ganharam São Paulo e Rio de Janeiro”, explica Ana Paula. “O Batekoo é um evento acessível para o público negro e LGBTQ, e promove a representação da cultura periférica, sendo a rapper Karol Conka um ícone dessas festas e da própria Geração Tombamento.”

O termo, empregado em suas variáveis (“tombamento”, “tombou”, “tombei”) no sentido de descrever algo maravilhoso, surpreendente e que quebra padrões, representa “um movimento interseccional, ou seja, que inclui questões de gênero, raça, classe e outros marcadores sociais”, explica a especialista.

Assim como o turbante, o “tombamento” é uma manifestação de desafio a estereótipos, analisa Ana Paula: “A valorização de uma estética negra e de aparências que fogem do padrão de feminilidade e masculinidade europeizado torna-se uma estratégia de resistência que tem potência para gerar debates e transformações”, afirma.

Hoje o ciclo traz as palestras “Moda, música e consumo: o hip-hop, o funk e as identidades masculinas da periferia para o centro”, com a doutora em ciências sociais Maria Eduarda Araújo Guimarães; e “Apontamentos sobre invisibilidades: onde estão os negros no campo da moda?”, exposição de Maria Claudia Bonadio, doutora em história pela Unicamp.

A moda como estratégia de visibilidade étnico-racial
Centro de Pesquisa e Formação do Sesc (r. Dr. Plínio Barreto, 285, 4º andar, São Paulo, tel. 3254-5600). Das 15h às 18h.
Preço: R$ 60 (inteira); R$ 30 (aposentado, pessoa com mais de 60 anos, com deficiência, estudante e professor da rede pública); R$ 18 (trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo credenciado no Sesc e dependentes).