´As Cores da Serpente` desvela epopeia da maior intervenção em grafite da África

A Serra da Leba, em Angola, é um dos principais e mais imponentes cartões-postais do país. Trata-se de uma sucessão de curvas que acompanham uma estrada de 20 km, a unir distintas províncias angolanas e que, não por acaso, geram fascinação e temor nos angolanos.

A “serpente”, como a chamam por lá, é a imensa protagonista e, ao mesmo tempo, pano de fundo de “As Cores da Serpente”, documentário dirigido pelo brasileiro Juca Badaró que chega aos cinemas de São Paulo, Brasília, Porto Alegre e Curitiba amanhã (21), Dia Internacional contra a Discriminação Racial. No Rio, o documentário estreia nas telonas no dia 28 e, em 4 de abril, em Salvador.

O filme reflete o processo de organização que resultou na maior intervenção em grafite de todo o continente africano. Entre a busca de apoios financeiros, a motivação a jovens artistas locais independentes e coletivos, as sucessivas viagens ao lugar e um mergulho vertical no dia a dia da juventude angolana e em seus rituais mais profundos, “As Cores da Serpente” mostra como foram cobertos 4 mil dos 6 mil metros quadrados de paredões do que hoje é conhecido como “Murais da Leba”.

Grafite de artistas de Angola e do Brasil, ação que integra lançamento do filme em SP (Divulgação)

Realizada entre agosto e novembro de 2015, a iniciativa (que tem o propósito de ser um painel de criações conjuntas permanentes) reuniu 27 artistas. “Como o projeto do Coletivo Murais da Leba é contínuo, uma vez que as ações do meio ambiente (chuva, sol) incidem diretamente sobre os muros, o documentário registrou apenas uma parte desse trabalho, que continua e continuará enquanto o coletivo existir”, explica o idealizador e jornalista Vladimir Prata.

Do processo criativo, também emergem discussões sobre a identidade cultural angolana e a expressão das idiossincrasias nacionais à luz de uma cena grafiteira ainda emergente no país, atravessado por mais de três décadas de conflitos.

“Como sabemos, a Angola viveu durante mais de 30 anos em uma guerra fratricida e isso deixou sequelas muito profundas na sociedade angolana. O processo de reconstrução só teve início em 2002, com a assinatura do tratado de paz. Muitos jovens artistas foram impedidos, durante muito tempo, de circular pelo país, conhecer as diversas etnias que compõem o povo angolano e compreender, de fato, qual a identidade desse povo. No fundo, o que mais uniu os artistas durante as reuniões de curadoria, os encontros para trabalhar nos esboços e, finalmente, a intervenção em si foi justamente uma necessidade maior de compreender a própria nação e seu lugar, enquanto artistas, nesse contexto. Acho que isso, de uma certa forma, resume o espírito desses jovens grafiteiros”, afirma Badaró.

Debate e criação coletiva em São Paulo

Da tela para os muros da cidade, artistas de Angola e do Brasil se reuniram em São Paulo na semana passada para um grafite coletivo na rua Augusta, no centro da capital. Também participaram no domingo (17) da roda de conversa “Arte e ancestralidade mais arte urbana e produção artística afrodescendente”, no quilombo urbano Aparelha Luzia.

“Acreditamos que esse documentário é , antes de tudo, um filme sobre sonhos. Sobre o desejo de transformar alguma coisa à nossa volta e perceber que estamos transformando nós mesmos”, diz o diretor. “Exibir esse filme no circuito comercial brasileiro, especialmente nesse momento em que vivemos no Brasil, tem um significado muito grande. Basta dizer que é o primeiro documentário realizado em Angola a entrar no circuito comercial daqui. O momento não poderia ser melhor, porque estamos em um contexto em que precisamos dos sonhos para seguir adiante.”

Lançamento do documentário “As Cores da Serpente”
Amanhã, dia 21 (em São Paulo – Espaço Itaú de Cinema Frei Caneca; e nos Espaços Itaú de Brasília, Porto Alegre e Curitiba), e dias 28 de março (no Rio de Janeiro – Espaço Itaú de Cinema Botafogo) e 4 de abril (em Salvador – Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha).