Trans e negra, Luh Maza leva ´Transtopia` ao Teatro Municipal
“Pela primeira vez”, como reforça a encenadora trans e negra brasileira Luh Maza, uma mulher com suas características é convidada a criar para o Teatro Municipal de São Paulo. E ela não faz isso sozinha: dez atrizes trans estarão sobre o cenário, na obra “Transtopia”, em apresentação neste domingo (9).
A convite de Hugo Pozzolo, Maza apresenta um espetáculo sem falas em que atrizes trans e travestis estão confinadas, em um mundo distópico, à espera do “futuro depois do futuro”, como conta a criadora. A performance de dez minutos integra o programa “Novos Modernistas – Uma Futuro sem País”, que propõe uma reflexão sobre o porvir nacional do ponto de vista feminino – “seja cis ou trans”. Leia abaixo, os principais trechos da entrevista com Luh Maza:
Preta, Preto, Pretinhos – Como surgiu o convite de Hugo Possolo?
Luh Maza – Em março deste ano, o Possolo foi curador do II Festival Internacional de Teatro do Circo em São Paulo e me convidou para criar um espetáculo circense que abordasse a diversidade. Fizemos “Queerbaret”, com acrobatas, malabaristas, palhaços e mágicos homens e mulheres trans, gays e lésbicas. Depois disso, quando ele assumiu a direção artística do Teatro Municipal de São Paulo com a proposta de popularizar o palco e a plateia, me convidou para criar uma obra, uma performance, com o recorte transfeminista para uma edição de seu projeto “Novos Modernistas: Uma Futuro sem País”. Fiz uma seleção de dez atrizes trans que têm se destacado no teatro paulistano, a Malka (produtora musical que compôs a trilha) e Nu Abe (artista responsável por vídeos e fotos), e assim criamos “Transtopia”.
PPP – Você idealizou a obra para o Municipal ou ela já era um projeto seu em elaboração?
Maza – Desde o resultado das últimas eleições no Brasil indicando o pensamento de uma parcela significativa da população, eu me assustava com o quanto nossa realidade se aproximava da distopia reacionária que já lemos em “1984”, de George Orwell, e ainda mais especificamente em “The Handmaid’s Tale”, escrito nos anos 80 por Margaret Atwood, que virou um fenômeno na série adaptada para TV, depois dos resultados igualmente retrógrados das eleições norte-americanas. Eu me inquietava nesse contexto de moralismo, violência e institucionalização do ódio a quem foge da “norma” do Estado ou da cultura instaurada, o que seria reservado a nós, mulheres trans, que enfrentamos desafio duplo sendo mulheres e transgêneras. A paisagem que me veio à cabeça não era nada alentadora, e assim surgiu a ideia de “Transtopia”, que atendia o convite para a criação do Municipal.
PPP – Depois dessa apresentação, “Transtopia” poderá ser vista em outros lugares?
Maza – A apresentação acontece no encerramento do festival Brasil Cena Aberta e imagino que contará com a presença de programadores e curadores que possam convidar a obra a se apresentar em outras instituições e festivais nacionais e internacionais. Esse é um desejo porque, apesar do quadro devastador com que se inicia a obra, “Transtopia” se transforma como nós todas em uma esperança de um futuro depois do futuro, onde o lado da equidade vence a guerra e nós poderemos voltar a sentir orgulho de sermos brasileiras, vestirmos a camisa verde e amarela, cantar o hino nacional e o que mais nos der vontade, afinal esta nação também é nossa.
PPP – O que significa encenar para o Municipal?
Maza – Ser a primeira encenadora trans e negra a criar para o Municipal é, para mim, uma grande honra e um grande desafio. Uma alegria imensurável, a realização de um sonho pessoal, ao lado do senso de responsabilidade e comprometimento com causas sociais que me atravessam, como a transgeneridade e a negritude. Ser a primeira em algo é motivo para celebrar, porque finalmente adentramos esses espaços, mas também deve servir de alerta para mostrar o quão apartadas estávamos socialmente até aqui. Espero que em 10 minutos possamos naturalizar nossas presenças como escritoras, diretoras, atrizes e compositoras que somos nessa transequipe.
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Também integram a programação de “Novos Modernistas – Uma Futuro sem País” espetáculos como “Involuntários da Pátria”, “Catiço”, “Afundação Brasileira”, o show da banda As Bahias e a Cozinha Mineira, liderada pelas cantoras trans Assucena Assucena e Raquel Virginia, e as participações da poeta Angélica de Freitas e de Laerte, em vídeo, em uma intervenção “provocada e provocativa”.
Novos Modernistas – Uma Futuro sem País
Domingo, 9 de junho, às 17h30
Teatro Municipal de São Paulo (Praça Ramos de Azevedo, s/n – Sé), tel. (11) 3053-2090
Ingressos: R$ 10; indicação etária: 12 anos
Bilheteria virtual: http://www.eventim.com.br