Norte-americana lança guia para mulheres negras que almejam ´lugar ao sol` no universo corporativo
Acostumada a trabalhar em ambiente corporativo, Minda Harts – norte-americana especializada em vendas e arrecadação de fundos – também estava habituada a ser vista como parte da paisagem da empresa, e não como uma profissional no páreo para obtenção de melhores cargos e salários. De fato, dados do estudo Mulheres no Mercado de Trabalho, difundido em 2018 pela organização Leanin.Org e a consultoria McKinsey & Company, mostra que nos EUA as mulheres negras são preteridas no âmbito empresarial em relação aos seus colegas homens e mulheres (brancas) com a mesma formação. “Apesar de ver desigualdades ao meu redor, sabia que nunca poderia virar a mesa e falar sobre isso. Quem se importaria ou faria algo a respeito?”, diz Harts.
Até que, em um protesto contra a morte de um adolescente negro, em Los Angeles, ela teve um insight: militar no âmbito empresarial como uma espécie de “Kaepernick corporativo”, como uma amiga sua expressaria anos depois, em referência ao jogador de futebol norte-americano que iniciou protestos contra o racismo nos EUA ao se ajoelhar durante a execução do hino nacional.
“Nessa época, estava muito dedicada a ler sobre desenvolvimento profissional e consumia todo livro de negócios e autoajuda que encontrava. Percebi que raça e interseccionalidade raramente, ou nunca, eram um elemento de conversação. O conteúdo que eu absorvia estava sendo produzido por mulheres brancas. Começou a ser problemático para mim não ler nunca alguma experiência de mulheres negras no mundo empresarial. Éramos deixadas totalmente de fora da maioria das narrativas.”
Era 2012, e Minda percebeu claramente que, na literatura de negócios, havia um vácuo de discussão e ferramentas para mulheres negras ou “não-brancas” (como latinas ou asiáticas, por exemplo, dentro da população hoje abarcada pelo termo “women of color” nos EUA). Estavam à margem profissionais que, como ela, nadavam em um mar de obstáculos no oceano profissional. Chegou à conclusão de que, em grupo, poderiam agir de forma a mudar – ou começar a criar estratégias para driblar – essa situação.
Os detalhes dessa história e conselhos práticos de como “garantir um lugar à mesa” vêm à luz agora em The Memo – O que Mulheres Negras Precisam Saber para Garantir um Lugar à Mesa, livro que acaba de ser lançado nos EUA e que é uma espécie de guia de ascensão na carreira para profissionais pertencentes a minorias.
Nele, a autora – hoje professora de serviço público na pós-graduação da Escola Robert F. Wagner, da Universidade de Nova York – fala de “duras verdades” como práticas de racismo institucional e microrracismo que estão naturalizadas no dia a dia empresarial.
A partir da sua companhia criada em 2015, The Memo LLC, a autora oferece uma newsletter com conteúdos relacionados à temática sob a forma de textos, seminários online com profissionais de destaque e podcasts sobre como construir poderosas redes profissionais, negociar aumentos, liderar equipes, e entender e tirar proveito de políticas empresariais para avançar profissionalmente. “Foi difícil encontrar apoio financeiro no início, porque ninguém queria investir em mulheres negras dessa forma”, ela diz.
“A falta de representatividade é inaceitável”
Em um dos capítulos do livro, a autora fala sobre uma das mais populares gurus do corporativismo entre as mulheres na contemporaneidade, a executiva Sheryl Sandberg, chefe de operações do Facebook e ex-chefe de gabinete do Departamento do Tesouro dos EUA na gestão Clinton. Em 2013, Sandberg e a escritora Nell Scovell lançaram um livro que passou de mesa em mesa entre as profissionais de empresas norte-americanas: “Faça Acontecer – Mulheres, Trabalho e a Vontade de Liderar”.
Minda conta que, à diferença do que aconteceu com suas colegas de trabalho brancas, que se sentiram energizadas e estimuladas a lutar por melhoras no trabalho, sua sensação de peixe fora d´água só aumentou depois de ler a obra. “Algo ficou faltando para mim (…). Essa senhora escreveu um livro sobre trajetória profissional a partir de um lugar de privilégio (…). Enquanto ela se irritava por não ter uma vaga especial no estacionamento durante a gravidez, mulheres negras e não-brancas estavam lidando com o racismo institucional que nos impede de usar nossas vozes para falar de assuntos como políticas para funcionárias que são mães ou brecha salarial. Porque na maioria das vezes não estamos ´à mesa`”, escreveu.
Depois de destacar que as mulheres negras representam menos de 11% das vagas de gerência, menos de 8% dos postos de gerência sênior e menos de 4% dos cargos executivos nas 500 maiores empresas dos EUA, ela conclui: “É hora de acabar com os mitos de que tudo é igual no trabalho, de que, se você trabalhar mais, pode ter um lugar à mesa. As mulheres negras e de minorias trabalhamos duro desde que pisamos o solo norte-americano, mas o ´trabalho duro` não nos fez nenhum favor. (…) As mulheres negras são quase 14% da população, e a falta de representatividade no mundo corporativo nos mais altos níveis é inaceitável”. E conclui: “Eis a grande notícia: não nos satisfazemos mais com a leitura das experiências de mulheres brancas falando sobre suas carreiras. Nossas experiências são diferentes e é hora de falar sobre elas”.