‘Madam C.J. Walker’ desembaraça fios da interseccionalidade

Machismo, racismo, colorismo, luta de classes e LGBT, gordofobia, sororidade se entrecruzam em “A Vida e a História de Madam C.J. Walker”, que a Netflix estreou há pouco com a história da primeira grande empresária negra da indústria de cosméticos dos Estados Unidos.

A série, protagonizada de forma primorosa por Octavia Spencer (Oscar de melhor atriz coadjuvante por “Histórias Cruzadas”, em 2012), traduz de forma muito didática a já batida – e certeira – frase de Angela Davis: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”.

Nascida Sarah Breedlove em 1867, livre por conta da Proclamação de Emancipação de Abraham Lincoln em 1862, mas filha de pais
escravizados em uma plantação na Luisiana, viveria dos trabalhos como empregada doméstica e lavadeira até desenvolver um produto destinado ao crescimento de cabelo das mulheres afrodescendentes.

Octavia Spencer, como Sarah Breedlove em “A Vida e a História de Madam C.J. Walker” (Reprodução/Netflix)

Dona de um pensamento vanguardista para a época – como o de falar direta e francamente para seu público, e não vender ilusões publicitárias de cunho aspiracional, ou apostar na diversidade da comunidade negra desde sempre -, a série mostra uma mulher que, entre vários outros desafios, se mete em um universo predominantemente masculino, deve driblar o jogo sujo da sua maior rival – a personagem fictícia Addie Monroe, também negra (mas de pele clara, e que aposta na sua aparência “de beleza” para ter sucesso nos negócios) – e compreender a liberdade sexual da filha, a também icônica A’Lelia Walker, que levaria seus negócios ao centro pulsante da cultura negra norte-americana, em Nova York.

Walker se torna uma mulher influente, de forte incidência política, social e cultural. Sua trajetória também estimula reflexões sobre as várias estruturas de poder (inclusive de ordem simbólica) que desmontou com sua tenacidade, ao não se encaixar no que Patricia Hill Collins define como “imagens de controle”. Ao ser negra, ainda muito próxima da escravidão, gorda e considerada pouco atrativa, com poucos anos de estudos formais, mas ainda assim com estratégias empresariais visionárias e bem-sucedidas, sua história mostra a desconstrução de estereótipos normalizados em relação a mulheres como ela: a visão de que são dependentes de serviços do Estado, sexualmente disponíveis, “mãezonas” e/ou que “aguentam tudo”.

Madam C.J Walker não é nada disso, e seu exemplo habilita um universo de reflexões. A série ainda oferece uma reconstrução de época esplêndida. E é divertida.