“Quarto de Despejo”, 60, ganha ciclo com Vera Eunice, filha de Carolina de Jesus, e autores como Conceição Evaristo

“Tenho apenas dois anos de grupo escolar, mas procurei formar o meu caráter.” Ainda no início de “Quarto de Despejo – Diário de uma Favelada” (1960), é assim como Carolina de Jesus (1914-1977) rapidamente descreve uma das suas muitas fortalezas entre vários desafios, enquanto detalha o dia a dia de uma vida sofrida centrada em garantir a sobrevivência e criar seus filhos, ao mesmo tempo em que escuta as vizinhas da favela apanharem dos maridos “como tambor” e reserva os poucos e breves momentos de tranquilidade para ler, ouvir música e refletir sobre sua condição e o mundo que a rodeia.

A 60 anos de publicação desse que é um livro essencial da obra da autora e da literatura brasileira, escritores e estudiosos se reúnem em um ciclo online entre 4 e 11 de setembro, realizado pelo Centro de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo. O encontro dissecará as muitas camadas da crua narrativa legada pela mineira que durante anos viveu na favela do Canindé, em São Paulo.

Vera Eunice, filha caçula de Carolina de Jesus, professora de língua portuguesa e responsável pelo acervo da autora – além de supervisora do conselho editorial que cuida da publicação da obra inédita da mãe pela Companhia das Letras -, participa do debate de abertura, “60 anos de ‘Quarto de Despejo’: presente e futuro”, ao lado de Fernanda Felisberto, professora de letras da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e autora de investigações relacionadas a narrativas de mulheres negras e presença negra no mercado editorial do Brasil.

“‘Quarto de Despejo’ é bem atual e certamente o será por vários anos. Hoje a mulher negra, mãe solo, empregada doméstica e morando em comunidades vê em Carolina um exemplo a seguir. Hoje elas escrevem, procuram se aprimorar estudando, lutam para conseguir alcançar seus sonhos, seus objetivos, e como Carolina proporcionar estudos aos seus filhos, pois percebem que somente o estudo pode levar ao crescimento, principalmente para os negros”, diz Vera Eunice em entrevista a Preta, Preto, Pretinhos.

Vera Eunice (Troféu Raça Negra/Reprodução)

Quarto de Despejo é bem atual e certamente o será por vários anos. Hoje a mulher negra, mãe solo, empregada doméstica e morando em comunidades vê em Carolina um exemplo a seguir.”

“Vejo meninas adolescentes negras se espelhando em Carolina e percebo nos olhares delas uma grande admiração pela escritora. Muitas teses que estão sendo realizadas por mulheres negras são relacionadas a Carolina Maria de Jesus, portanto estão surgindo várias Carolinas. Hoje ela tem nome em escolas, a biblioteca do Museu Afro leva o seu nome, é nome de rua, é uma escritora mundialmente famosa e reverenciada pela comunidade negra.”

A filha caçula de Carolina de Jesus é um personagem importante em  “Quarto de Despejo”. O livro tem início, justamente, com uma menção a ela: “Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu pretendia comprar um par de sapatos para ela”. E a força da inter-relação entre a obra da mãe e sua vida pessoal perdura ao longo dessas décadas de forma intocada.

“Carolina sempre se preocupou muito com a alimentação e o estudo dos filhos, mas nunca deixou de escrever, apesar das dificuldades. A vida não lhe foi favorável e sou testemunha do quanto ela sofria em sua peregrinação para nos alimentar. Minha mãe sempre me carregava com ela. Sou citada várias vezes no livro por ser uma menina e caçula”, diz Vera. “Estou ciente de que sou um personagem, mas não consegui ler o livro em sequência, leio aos poucos. Saio, leio mais uma parte… fico pensando em como Carolina sofreu. Minha admiração por ela é imensa.”

“Não consegui ler o livro em sequência, leio aos poucos. Saio, leio mais uma parte… fico pensando em como Carolina sofreu.”

Do ciclo, também participa a escritora Conceição Evaristo, para falar sobre “A tradição literária de Carolina Maria de Jesus”. Evaristo faz parte do conselho da Companhia das Letras que está trabalhando na obra da autora.

Serão abordados por outros especialistas, ainda, os temas “Escrita e subjetividade, vida e performance”, “Corpo e cidade na escrita de Carolina Maria de Jesus”, “O desafio de traduzir: mediação, reescritura e criação” e “Manuscritos e novas visitações”.

O ciclo acontece de segunda a sexta-feira, das 17h30 às 19h. As inscrições têm início no dia 31 de agosto e convém reservar um lugar rapidamente porque as vagas são limitadas. Para ver a programação completa, acesse sescsp.org.br/cpf, também a partir do dia 31.

Ciclo Carolina Maria de Jesus: 60 anos de “Quarto de Despejo”
De 4 a 11/9; 100 vagas
Grátis; inscrições a partir das 14h de 31 de agosto, em sescsp.org.br/cpf