A maior festa popular do planeta, o mais amplo teatro a céu aberto, o cartão postal da mundialmente exaltada “felicidade” brasileira é virado pelo avesso em “30 Dias – Um Carnaval entre a Alegria e a Desilusão”, documentário de Valmir Moratelli que estreia em circuito nacional de exibição pela TV nesta quarta-feira (2) às 18h45 pelo canal de TV por assinatura Prime Box Brazil.

Após cobrir os desfiles da Sapucaí por mais de uma década, o jornalista decidiu contar “o que ninguém discute, a invisibilidade nossa de cada dia”, como descreve ao Preta, Preto, Pretinhos.

Tal como uma fantasia vista a partir das suas costuras, e não das lentejoulas, Moratelli acompanha os efeitos dos cortes de repasse de verbas municipais para as escolas de samba através do cotidiano da agremiação Alegria da Zona Sul, da periferia do Rio, a um mês de entrar na avenida para o Carnaval de 2019.

Mas a contagem regressiva que mostra os últimos 30 dias de preparação da agrupação em um barracão improvisado, em sua triste esperança de poder exibir um desfile que a mantenha no grupo de acesso, também serve de fio para que o filme discuta identidade, racismo, intolerância religiosa, cultura popular, política.

“Vinha percebendo um enfraquecimento da festa desde o começo da gestão (do prefeito do Rio, Marcelo) Crivella, pela sucessão de cortes de repasse de verba, além do descaso com as escolas. Foi um filme sem verba, feito na raça mesmo, na vontade de contar a história que passa rente aos nossos olhos e ninguém nunca conta. Os bastidores de escolas pequenas, que estão longe do glamour da Portela, Mangueira etc…”, diz o diretor.

A Alegria da Zona Sul despertou seu interesse por ir na contramão do que a maioria das escolas escolhem para poder sobreviver. “Tinha um enredo que nos despertou interesse, falou em 2019 sobre a umbanda, uma religião nascida no Rio. Em meio a toda essa onda neopentecostal. Era um símbolo de resistência piscando ao final do túnel, porque é mais fácil para as escolas menores irem para enredos patrocinados, e a Alegria veio no caminho oposto, exaltou uma religião de matriz africana, fortemente popular… Não tive dúvidas de que deveria ser ela a nos nortear com o filme.”

O documentário coloca o espectador dentro do barracão, ao ouvir trabalhadores com a mão na massa durante a produção dos desfiles, além de pesquisadores, especialistas e dirigentes de organizações como a Liga das Escolas de Samba do Rio ou o Centro de Referência do Carnaval, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

“A cultura do samba está sob ataque”, define Luiz Antônio Simas, escritor, professor e historiador que é um dos entrevistados. “As coisas um dia vão melhorar. A arte existe porque a vida não basta”, reflexiona Reman, laminador da Alegria da Zona Sul, enquanto, apressado, dá os últimos retoques em uma das alegorias da escola. É que ele necessita simular, o mais fielmente possível, justamente o mármore, esse material que resiste às tempestades da história.

Se no ano passado o cenário já era desolador, em tempos de pandemia as perspectivas dessas agremiações “são as piores possíveis”, conta Moratelli. “O dinheiro repassado pelo Crivella para a Alegria só caiu após o desfile (em 2019). A prefeitura atual – que foi eleita com a ajuda dessas comunidades – está matando o Carnaval carioca. Não há dúvidas disso”, afirma o diretor. “Agora com a pandemia, tudo parado, sem previsão… Alguns dizem que pode ocorrer no meio do ano. Uma decisão a esse respeito vai depender também das eleições municipais neste ano.”

Mas, apesar das incertezas, para o realizador seu documentário deixa evidente a força das raízes que mantêm a festa de pé: “O ‘30 Dias’ é uma epopeia que passa por cima de quem torce pela morte do samba”.

30 Dias – Um Carnaval entre a Alegria e a Desilusão
Documentário dirigido por Valmir Moratelli
Estreia nesta quarta-feira, 2 de setembro; exibições também nos dias 13, 22 e 30 de setembro; 9, 24 e 31 de outubro
Canal de TV por assinatura: Prime Box Brazil